quarta-feira, 26 de novembro de 2008
São João
Não fosse o som dos fogos a estourar e colorir de azul e vermelho o negro céu, ela teria ouvido quando ele murmurou “eu te amo”. Mas seus ouvidos atentavam-se à dissonância toda; nos olhos arregalados fulgurava o reflexo policromático da pirotecnia. Pois assim, não ouviu o som e tampouco viu os lábios bailarem na confissão apaixonada e vã. Ao cabo de tudo, ainda num redondo riso, a fascinada menina disse ao frustrado menino “deve ser lindo ver os fogos com quem se ama, né?”.
O rapazote mantinha os olhos no chão. Encarava o sapato, cabisbaixo como são os corações partidos. Respondeu um “é, deve ser” de malgrado. Teve tanto ódio daqueles fogos que, por reflexo, engoliu a paçoca numa mordida só. Engasgou. Debateu-se. Sufocou-se.
Antes de morrer, não disse coisa alguma. Apenas pigarreou, esperneou, cambaleou, roxeou, desfaleceu. A menina se apercebeu do óbito apenas quando a última luz brilhou no alto e o som se calou por completo.
Silêncio na noite de São João.
Rodolfo Viana
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