sexta-feira, 15 de novembro de 2013

10/09

Querido Leopardo,

Há quanto não mando notícias... mas estou sentado no boteco da rua do centro, e seria quase um crime não avisá-lo: Eu sinto a vida. Sinto aqui. Sinto e senti ontem, quando acordei às pressas pra tomar o ônibus. Ainda me sinto sufocado, por certo que sim, e é algo como fosse tentando voltar. O sítio já foi o que eu quis, mas muita coisa hoje é só saudade. Aqui talvez me sinta mais pleno por causa do suor. Tudo aqui é suor, tão  suor e restrição, que uma árvore na frente de casa é quase poesia. Além do mais, quem disse que a vida não ressurge do marasmo?
não que eu não queira estar em casa, pertinho do pasto e do barreiro cheio, mas tudo isso também é minha vida: o viaduto, a BR duplicada... ou talvez não. Talvez tudo isso foi e venha sendo um presságio de que a vida seria difícil. A minha e a da moça do Lojão das portas. A paisagem da vista pro asfalto deve ser triste no pingo do meio dia, coitada. Mas destinado a aceitar o fardo, tento me acomodar sempre no meu colchão ou na sala de algum consultório, ou no banco de alguma praça. É inútil. Sou estrangeiro no meu lar e em toda parte. Talvez seja hora de me estabelecer, ou eu não tenho o propósito arrogante de SER. É preciso agarrar a vida como a um agasalho no frio, mas meu braço de agarrar o mundo nasceu amputado. Ainda assim é preciso desabafar, mas o quê? algo dentro ou fora de mim há que ser honesto e limpo, então eu tento acariciar algumas pessoas com essas tristezas. É o que sou, não é? o que você diria? lhe escrevo com o propósito  de receber uma ajuda sua e das crianças. Como vão todos? Apesar de tudo e qualquer coisa, eu estou bem. Mateus 11:28, caso esteja duvidando de algo.
Aqui vou morrer. Ou não...
A sentença é o cultivar da dúvida, o eterno cultivar da dúvida. Às vezes penso em andar sem rumo sob o Sol, mas aqui, não importa o quanto eu ande, nunca há ermo. Sinto vontade de ligar pra casa e dizer que estou triste, mas sento no boteco da rua do centro e o estigma do perigo da cidade cessa. Duas senhorinhas sentadas na mesa 5: deixo de lado qualquer coisa na vida, menos sentar e almoçar do lado dessas senhoras. Gosto de dividir a mesa com elas, pensar a vida mastigando sem sentir, sem ter como, engolir o feijão inteiro. Não sentamos exatamente na mesma mesa, nem essas senhoras me dão a mínima, mas o lugar é pequeno e a distancia é muito curta entre todos nós, e isso me alegra. É daí que a vida ressurge. Talvez tenha encontrado, agora, a salvação que procuro nas cartas endereçadas a você, Leopardo. Mas não.
Não moro na maior cidade do mundo, mesmo assim o medo existe. Atravessar a avenida me deixa triste. Olho pros meus pés: aonde vão? e se vão, vão sem mim e sem por quê. A vontade é de ligar pra casa e dizer que sou triste, mas é Domingo.
Há que se ter uma ideia, um plano, uma fuga! Até um sapo tem uma  ideologia, mas eu vivo como um pássaro com um papo cheio de vento e não vejo a solução em nada. A realidade é um passo fundo, meu querido Leo. Todos a tudo me conhecem, mas desconhecem.
Eu sou em mudo. Sou o papel com o apelo distribuído a cada passageiro. Eu sou o pedido de esmola silencioso no ônibus. Eu sou, Leopardo meu doce e querido amigo, meu grande e saudoso amor, um libertário do avesso com as réstias pro lado de dentro da própria alma. Onde está, de fato, meu tempo? arrefeceu em algum lugar. Você talvez pudesse me ajudar e mandar meu abraço a todos. Sinto muitas saudades, e sentir é sofrimento, mas um dia sofro tanto que esqueço.

Deixei o selo pago. Aguardo. 

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Gritinho

Por do Sol,
queridinha
às vezes não revela
sossego.

Anoiteceu
perdi amor
a todo meu apego:

Por teu socorro
gritei
de-ses-pe-ra-da-men-te
em grego...