sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Bom dia de um fingido


"Meu Deus, me dê a coragem de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites, todos vazios de Tua presença. Me dê a coragem de considerar esse vazio como uma plenitude. Faça com que eu seja a Tua amante humilde, entrelaçada a Ti em êxtase. Faça com que eu possa falar com este vazio tremendo e receber como resposta o amor materno que nutre e embala. Faça com que eu tenha a coragem de Te amar, sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo. Faça com que a solidão não me destrua. Faça com que minha solidão me sirva de companhia. Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar. Faça com que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo. Receba em teus braços meu pecado de pensar." (Clarice Lispector)



De um modo muito qualquer, dei um repouso ralo de umas três horas, à noite,antes que o despertador tocasse o aviso de que já era dia, mesmo sem ser.
Levantei, e a única coisa viva que avistei na minha frente, como de costume, foi a sombra feia de um rosto.
Nunca observei nos detalhes mais íntimos do meu rosto. Em verdade, nunca observei nada de tão íntimo em mim. Quando não se sabe bem de que forma conduzir uma conversa com alguém, é comum que a gente se mantenha distante, como um vizinho de quarteirão, no mínimo.
Sempre me fui alheia. Nunca houve melhor forma de proporcionar bem estar a mim mesma, ainda que falso.
Vivo há uns três ou quatro calendários da minha vida sem presença de campainha e de palmas na porta. Não há vida melhor! Vez ou outra faz preparação de chuva e uns pingos vadios aqui ou ali  vêm me incomodar na janela pra me manter informada. Aos domingos, finjo um sorriso costumeiro de bom dia na portaria enquanto saio pra um passeio sem rumo (também fingido). No resto da semana faz Sol. Mais nada. E eu aterrada no batentinho da minha porta do quintal feito de galhos finos, prestes a se partirem. Ninguém vê. Eu estou bem. É como quando acordo antes da hora e cambaleio com a perna dormente pra tomar água. Quem vive sozinho tem uma forma estranha de tomar água...
É incrível a sensação de se fazer tudo sem satisfações, desprezando, claro, o lado ruim que te rende um desleixo desgraçado. Mas tudo bem (pra quem está bem).
Tudo tem sido encantador e o soluço silencioso e suave do vazio tem feito muito bem a tudo: coração,cabeça, pele,cabelo... Ah, e não há melhor companhia de final de semana que a solidão!
Eu durmo todas as noites um tempo razoável e razoavelmente bem, finjo bem, acordo bem: 5:15 do dia e antes de engolir meu café, da janela respingada, com os dedos grudados na caneca azul de louça, eu tenho um rosto escuro e toda a alma em apelos secretos feitos ao céu.

3 comentários:

brunasilveira disse...

coisa linda

Marlon Ribeiro da Silva disse...

coisa triste...é assim!

maria clara feitosa disse...

Cambaleio pra beber água, cambaleio para ir ao trabalho, cambaleio para ir para casa, cambaleio para o computador...água desce cambaleando pela garganta. O que é uma mesa sem quatro pernas? Uma tábua com alguém segurando muito tortamente de um jeito que as coisas rolem mas não caiam no chão.